Dez anos após sua inauguração, o Museu Guggenheim de Bilbao, na Espanha, permanece no topo da lista de obras de vanguarda, não apenas por seu desenho de curvas sinuosas e assimétricas, envolvidas por placas de titânio, como pela tecnologia utilizada na construção. Os volumes interpostos, com inclinações positivas e negativas, tornaram-se objecto de estudos de calculistas de estruturas metálicas, devido a sua complexa geometria. No final do ano passado, foi a vez de os brasileiros conhecerem um pouco da história da construção do museu. Convidado a participar do congresso latino-americano da construção metálica, em São Paulo, o gestor de projectos do Guggenheim de Bilbao, engenheiro Amando.
Castroviejo Pascual, falou sobre os processos aplicados na obra. Castroviejo, que faz parte da equipe de técnicos da Idom Arquitectura, Engenharia e Consultoria, empresa responsável pela obra, abordou as etapas desenvolvidas desde a concepção do desenho da estrutura metálica até a construção do museu. Segundo o engenheiro, o projecto de estruturas foi um trabalho conjunto entre o arquitecto Frank Gehry, os profissionais da Idom e do Consórcio Museu Guggenheim (CMG)
“Inicialmente, o arquitecto organizou sua concepção em modelos em madeira, papel cartão e outros materiais”, relembra Castroviejo. Depois, as superfícies dessas maquetas foram digitalizadas em três dimensões, com a utilização do programa Catia. A partir dos dados gerados por esse software, outro programa, chamado Bocad, produziu os desenhos detalhadamente de montagem, lista de materiais e etapas ordenadas de fabricação dos materiais.
Tipos de estrutura Também participou do projecto da estrutura o escritório Skidmore, Owings & Merrill (SOM), responsável pelo cálculo de elementos finitos e definição de critérios dos desenhos. Segundo Castroviejo, o Guggenheim de Bilbao tem estrutura metálica tradicional, arcos de estrutura metálica, formas integradas e formas independentes. Na estrutura tradicional foram utilizados pilares metálicos, vigas armadas com lajes pré-moldadas alveoladas, vigas-treliça com steel deck, conectores e concreto leve armado. As formas integradas são estruturas para aproximar as superfícies desenhadas pelo arquitecto, perfis H em elementos verticais, tubos de secção quadrada em elementos horizontais e de secção circular em diagonais; as formas independentes são compostas por torres, perfis H, ligações aparafusadas, tubos das colunas e estrutura metálica espacial da cobertura.
A montagem das estruturas foi feita com guindastes fixos e móveis, além de plataformas. Foram utilizadas na obra 4,5 mil toneladas de estrutura metálica, com trabalho total de 52 mil horas/homem. Para assegurar a qualidade, foi adoptado um sistema que incluiu, na fase de desenho, a análise e a troca de comentários entre Gehry e os técnicos da Idom e do SOM. Na etapa de propostas e licitações foi feita a homologação das empresas e no período de projecto de detalhes empregou-se um processo de revisões e comentários. A fase de montagem teve plano de controle de qualidade com certificações ISO 9000.
O Guggenheim de Bilbao tem 11 mil metros quadrados de espaço de exposição, distribuídos em 19 galerias. Iniciada em 1992, a obra durou cerca de cinco anos, sendo um ano e meio dedicado à estrutura do edifício. O esmero das equipes envolvidas em sua construção mostrou que, ao lado de um arquitecto genial, há sempre uma equipe de calculistas que materializam matematicamente as ousadas formas propostas. O engenheiro Castroviejo participou por dois anos, a partir de 2003, do desenvolvimento da Idom em Portugal, como director técnico, actividade que está exercendo actualmente no Brasil.
Texto resumido a partir de reportagem Publicada originalmente em FINESTRA Edição 48 Janeiro de 2007 Frank Gehry
Poucos conhecerão o plano de Renzo Piano para um complexo residencial na zona do Braço de Prata, em Lisboa. O projecto remonta a 1999 e integrava uma vasta reconversão urbanística da área afecta a um conjunto de pavilhões industriais em desuso. A proposta esquematizava a apropriação da estrutura em rede do edificado, introduzindo novas acessibilidades diagonais e transversais que davam corpo a um sistema de vias e percursos pedonais. Os novos edifícios definiam uma gradação hierárquica de espaços públicos e semi-públicos, criando condições de amenidade e habitabilidade muito particulares à tradição lisboeta, segundo Renzo. Complementarmente, avançava-se um traçado de recuperação da frente ribeirinha e a consolidação de novos espaços de utilização colectiva.
O projecto é apresentado no seu sítio web e constitui a única obra do arquitecto em território nacional. Infelizmente, até hoje, ainda não se tornou realidade.
A vida é um candeeiro a petróleo. O amor também. Quando a combustão perece, porque fenece, há um choro crepuscular que cresce. E a luz desvanece. Apaga-se. Desaparece. Another Woman é isso, uma parábola existencialista a retratar a linha das mãos (será dos dedos?) que nos (en)sina o caminho, que nos diz o amanhã nem sempre azul e mavioso.
Mais que competente, pode dizer-se do filme. Bom. E adjectivá-lo de sério parece até descabido, ou não fosse Woody Allen o seu realizador. Mas assim é. Filme sério, bem sério. Com Woody fora do elenco - numa das poucas vezes que decidiu não mimosear a objectiva com os seus trejeitos desengonçados - a película galga devagar alguns dos mais melindrosos trilhos da natureza humana.
Another Woman é uma ode de Allen ao pessimismo, ao negativismo, à coisa ruim e indecorosa que é viver. Atido a um argumento exemplar e à densidade das personagens que tão bem trabalha, o realizador oferece-nos uma inesperadamente infeliz Marion (desempenho intenso, a roçar o brilhantismo, de Gena Rowlands). Superando até a personagem de Mia Farrow -sarcasticamente nomeada de Hope e que figura a ideia acabada de uma vida atroz, torpe, desgarrada - é em Marion, mulher de meia idade, brilhante académica e financeiramente resoluta, dizia, é nela que Allen deposita a maior carga do paradoxo existencialista. Se a primeira representa a alienação, o desapego, o abandono, o desespero de quem tem ainda tanto caminho, a outra parece querer cuspir longitudinalmente numa vida com tanto de perfeita como de lancinante.
Formalmente a película é imaculada. Na montagem Allen não arrisca mas cumpre. Aliás, o carácter inventivo do autor sempre passou muito mais pela palavra que pela coisa técnica - nos antípodas de Scorsese, que nos seus primeiros trabalhos e divertia a mostrar ao mundo o fabuloso e inventivo domínio técnico de que dispunha. A narrativa de Another Woman adensa-se através da parcimoniosa introdução de flashbacks propositados e reveladores (é num deles que conhecemos a personagem interpretada por Gene Hackman e o seu lugar na trama). Mas nem aqui o tom de incompreensão - mais que de injustiça - abranda: a admiração intelectual que se confunde com amor; a repressão das vontades carnais; a preferência parental por um dos filhos; o adultério; o aborto; os casamentos falhados. O nefasto e o grotesco no quotidiano. Narrado na primeira pessoa pela protagonista Marion, a obra está pejada de textos inteligentes, de elegância filosófica. A dada altura alguém questiona: «Uma recordação é algo que temos ou que perdemos?». Poderia ser este um bom mote para a fita: o filme do rememorar.
Num registo longe dos humores densos e bem conseguidos de A Mid summer Night's Sex Comedy e Sweet and Lowdown, e de comédiazinhas a roçar o dispensável, como ABC do Sexo ou Hollywood Ending, o realizador nova-iorquino reinventa uma vez mais a cidade natal - diga-se que desta vez sem grandes afazeres, uma vez que Another Woman é filme eminentemente interior. Claustrofóbico, até. Na crítica ao social e ao politicamente correcto, aos amores por conveniência (será conivência?) e ao conflito de interesses, talvez Another Woman se aproxime mais de Ana e As Suas Irmãs, apesar da toada claramente mais espirituosa deste último; na nebulosidade dos temas que aborda, e no modo cru como o faz, tem certamente no recente Match Point um seu parente próximo na pungente árvore genealógica que as obras de Allen compõem.
Rapidamente, e através de uma visão meramente parcelar e descuidada da filmologia de Woody Allen, facilmente se cai no erro de enumerar a suavidade, o burlesco e a ligeireza como únicos traços caracterizadores do cineasta. Porém, indo fundo, remexendo, percebe-se um autor não tão afastado da concepção kubrickiana como um dia ousei afirmar. Há no costumado tom parodiante de Allen uma dura carga pessimista em relação ao indivíduo - não tanto no sentido hobbesiano do termo (tão presente na obra deStanley Kubrick) mas mais assente numa toada vincadamente niilista. E Another Woman é disso exemplo cabal.